Pedindo primeiro de mais nada desculpa aos meus queridos leitores amantes de narrativas curtas (contos mas também crónicas) por ter deixado estas páginas tanto tempo em branco, venho avisá-los que em breve aqui serão publicadas novas memórias e histórias. Só não aconteceu antes porque tive uma proposta editorial para passar este blogue a papel como aliás já tinha acontecido com os meus outros quatro blogues individuais. Todas esses processos estão em banho-maria e assim sendo a aventura da escrita continua por este meio.
AS AVENTURAS DE JOHNNY FIRE
Memórias e outras histórias
sexta-feira, 27 de setembro de 2024
quinta-feira, 9 de novembro de 2023
sexta-feira, 21 de abril de 2023
domingo, 9 de abril de 2023
quinta-feira, 17 de novembro de 2022
sexta-feira, 8 de julho de 2022
domingo, 12 de junho de 2022
quinta-feira, 9 de junho de 2022
quinta-feira, 24 de março de 2022
À ATENÇÃO DOS LEITORES CINÉFILOS
A partir de agora, todos os meus novos textos sobre Cinema serão publicados directamente no Da Sétima Arte
Entretanto, continuo a ciclópica tarefa de trasladar para esse blogue todos os pretéritos artigos da referida matéria.
Às tantas, ainda respigo daqui uma ou duas histórias.
Passem por lá.
terça-feira, 12 de outubro de 2021
APONTAMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO E COMPREENSÃO DA PERSONAGEM
Certas pessoas chamam ao fio-condutor deste folhetim - constituído por infinitos micro-contos, com qualquer coisa de crónicas... - Johnny Walker. Desta forma, o anglófilo apelido do cosmopolita mas enraizado personagem luso remete para duas das suas múltiplas facetas: a de apreciador de bom whiskey (não necessariamente o homónimo, antes um da bela Irlanda, onde o gaélico ainda nos recorda que esta bebida significa «água da vida») e a de cultivador de longos e lentos passeios, qual andarilho ou caminhante, onde se deleita a contemplar, remirando-os sempre como se fosse a primeira vez, os misteriosos encantos das ruas e das raparigas da sua cidade de nascimento, deixando-se assim seduzir, esteta que é.
sexta-feira, 24 de setembro de 2021
NOTA EDITORIAL A PROPÓSITO DA INSPIRAÇÃO
Embora estes contos sejam baseados em factos reais, e portanto nem seja precisa muita imaginação para os escrever, sente o autor que lhe falta a inspiração para continuar a narrar estas histórias ao ritmo de publicação que os queridos leitores pedem e merecem. Penitencio-me por isso, prometendo acelerar a redacção. Coisa boa seria surgir entretanto uma Musa inspiradora, ou as 9 dos Gregos...
quarta-feira, 18 de agosto de 2021
DAS AVENTURAS NO NOVO MUNDO
Johnny Fire, com 18 anos bem feitos e aparados, embarcou numa viagem aérea de longo-curso rumo a Nova Iorque. Curiosamente, nesse mesmo ano e mês, decorriam os Jogos Olímpicos, na outra costa desse país-império, onde um português viria a vencer a histórica prova da maratona. Devido à distância e à consequente diferença de fusos horários, acompanhou a odisseia lusa pela televisão, quase como se estivesse em Lisboa, com a simpática diferença de que no dia seguinte foi efusivamente saudado pessoalmente, no restrito círculo americano a que teve acesso via sua melhor amiga da época e em que foi muitíssimo bem recebido em Nova Iorque, pelo feito que o seu compatriota alcançara em Los Angeles.
Mantendo-nos no registo áudio-visual, mas no primeiro e pai espiritual e estético de todos os outros, vamos falar de cinema. Nesse distante ano de 1984, estrearam várias «americanadas», saídas dos estúdios de Hollywood, propositadamente produzidas para serem blockbusters. Não sendo essa a sua onda (o cinema francês em particular e o europeu em geral era já o que mais o seduzia na Sétima Arte), não resistiu ao frisson de poder ver essas fitas recém-estreadas nas espectaculares salas de Manhattan, na terra de Woody Allen (à época um dos seus realizadores de eleição, e portanto uma excepção ao que atrás fica revelado sobre os gostos cinéfilos do então adolescente protagonista destas aventuras).
Continuando, Johnny, na sua primeira ida a uma sala de cinema nos States, foi, com a sua já atrás referida amiga e anfitriã nesta maravilhosa estada na magnífica maçã Art Déco que nunca dorme, assistir, numa moderna e luxuosa sala, à projecção do filme da moda, acabadinho de vir a lume na pantalha. A páginas tantas, a sua igualmente teenager amiga (portuguesíssima de sangue mas luso-americana de coração) tira dois cigarros dum maço duma icónica marca de tabaco americana (a qual tinha sempre um belos spots publicitários baseados nos westerns, género fílmico considerado a mais identitária forma de Arte americana por Clint Eastwood) e leva-os à boca. Pensou Johnny aqui que ela estava a brincar, pois de facto era uma miúda divertidíssima, num estilo controladamente irreverente, como convém, aliás. Mas, para sua surpresa, ela pega num isqueiro, também ele americano e icónico, e acende simultaneamente os dois cigarros na sua bonita boca. De seguida, passa um para o espantado e já quase assustado Fire e lança a primeira baforada para o ar. Johnny Fire ia dizer qualquer coisa como: «És louca, não faças isso, ainda nos prendem!». Contudo, ficou hipnotizado pelo fumo que a sua amiga lançou no ar e que subia na sala escura mas se antevia em contra-luz pela acção da própria luminosidade da tela, por um lado; e, por outro, recortado pela luz do projector de cinema. Assim, automaticamente, fez o mesmo movimento: inspirou o mais que pôde e, de seguida, expeliu uma longa baforada, a qual bailou pela sala toda...
«Estamos em Nova Iorque e aqui pode-se fumar nas salas de cinema!», rematou a amiga luso-americana, com ar teatralmente professoral. Johnny finalmente olhou em volta; e, de facto, vários espectadores também fumavam. Aconchegou-se melhor na confortável e espaçosa cadeira (provavelmente a melhor do género em que esteve sentado até hoje, e esteve em centenas de boas salas de cinema), olhou de lado para a sua amiga, e, sentiu-se num film-noir, sendo ele Bogart e ela Bacall.
Escusado será acrescentar que esta deliciosa e inocente história de adolescentes, que só se queriam divertir e tirar partido da sua natural alegria de viver, seria hoje proibida pela insana ditadura higiénico-sanitária que vigora no doente Ocidente.
quarta-feira, 28 de julho de 2021
UMA APOSTA
Farto de contar histórias passadas com o nosso Johnny Fire e betos, chegou a hora de começar a narrar episódios mais marados. Como aperitivo deixo já aqui escrito preto no branco que o nosso personagem tinha o hábito de se vestir dos pés à cabeça de Conde Drácula para várias festas, especialmente de Carnaval, mas não só, e assim o fez pelo menos em Lisboa, Porto e Madrid.
Contudo, vou começar por alinhavar umas frases sobre uma cena (no sentido de encenação, na verdade) que Johnny fez em 1987. Estudava à data Direito por linhas tortas quando decidiu precisamente nesse ano desistir desses nobres estudos para se embrenhar no mundo do Cinema em particular e das Artes em geral, sendo que a boémia foi muito provavelmente o principal impulso para abdicar daquela velha via e enveredar por este novo caminho...
Esta aventura, se bem me lembro, terá acontecido durante esse limbo, qual ritual de passagem do eu (académico e estético). Johnny apostou com um amigo que iria ao mais in cabeleireiro de Lisboa e faria um «corte à futebolista» (designávamos assim um corte de cabelo foleiro que os jogadores de futebol dos anos 70/80 usavam: comprido atrás, curto de lado e risca ao meio em cima; enfim, um horror). Assim fez. O primeiro choque que provocou foi ter pedido este corte e a seguir ser visto no supradito lugar por uma élite de arquitectos, artistas, gente da moda, belíssimas modelos, etc. e tal nessa figura! Passada esta primeira prova foi sair à noite percorrendo todos os lugares em voga do Bairro Alto e não só. As reacções dariam para um tratado sobre a psicologia do povo português! Desde conhecidos que fingiram não vê-lo até outros que tentaram falar normalmente com ele, mas sem conseguir evitar lançar olhares de relance à sua sinistra cabeleira. Entre todos, guardará sempre a memória de um amigo arquitecto, mais frontal, que lhe perguntou, meio espantado: «Mas o que é que se passa?». Johnny não se desfez perante ele nem perante ninguém. Comportou-se até ao nascer do dia como se nada de diferente houvesse em si. Assim, o amigo com quem a aposta fora feita, e o seguira à distância, desde o cabeleireiro, pela noite dentro, declarou-lhe ao raiar da aurora em pleno Cais do Sodré que Johnnny Fire tinha ganho. No dia seguinte cortou o cabelo normalmente e foram jantar ao melhor restaurante de Lisboa. A choruda conta dos quatro (foram com duas amigas) pagou-a o desafiador amigo, o qual, sendo homem que dá especial importância ao dinheiro, ficou anos a remoer a aposta, talvez mesmo até hoje...
sábado, 24 de julho de 2021
DA VELHA E BELA ALBION
Numa das idas a Londres de Johnny Fire, por meados dos anos 80 do século passado, década de quase todas as histórias deste blogue, foi ele certa vez sair com um grupo eclético. Já sabemos que o nosso personagem gosta de variar entre ambientes opostos e pessoas contrastantes, saltando com facilidade de um lugar e de um círculo para o outro. Contudo, não é habitual que frequente sítios e grupos com essa mesma sua heterodoxa característica nesta matéria. Trocando isto por um saudoso exemplo: sempre gostou de começar a noite no Bairro Alto a jantar bem num bom restaurante ouvindo fado de qualidade com amigos betos e acabá-la num bar de vanguarda ou mesmo underground, desse mesmo bairro lisboeta, dançando ao ritmo do som da frente rodeado de conhecidos das artes ou da boémia. Várias vezes teve a sorte de ter pessoas semelhantes a si com as quais fez este programa e outros que tais, quiçá mais radicais. Contudo, estas contam-se pelos dedos, e as que guarda com mais saudade (até porque algumas já partiram deste mundo) são mulheres, à época especialíssimas miúdas de vinte e tal anos.
Voltando àquela noite no Reino Unido, avançava pela rua o já atrás referido grupo, que tinha de tudo um pouco, não sendo, no entanto, muito numeroso: cerca de oito rapazes e raparigas; sloanes e trendies; de Portugal, Inglaterra, França e Itália. Subitamente, um muito tímido mas desbocado amigo português de Johnny avança para uma inglesa muito sloane e faz-lhe uma pergunta surreal. Cabe aqui abrir um parêntesis para relembrar o facto de serem as pessoas reservadas as que mais capazes são de dizer as maiores barbaridades, ou pelo menos inconveniências, ou simplesmente fazer perguntas aparentemente estúpidas, como foi o caso. Note-se que ele tinha acabado de a conhecer e perguntou-lhe, do nada, por que é que as inglesas usavam a carteira à tiracolo (com a correia atravessada à frente do peito)? A miúda a quem ele inquiriu sobre isto era o que se diria em português uma menina bem. Tinha também, além do altíssimo pedigree familiar, um peito dos mais belos que vi até hoje. Ela olhou-o fixamente e respondeu-lhe, no melhor pragmatismo britânico: «É porque Londres está a tornar-se uma cidade perigosa, com gente indesejável, e fazemos isto para não sermos assaltadas. Aliás, estou cá só para estudar, mas vivo no campo com os meus pais». Mal ele ainda acenava com a cabeça, concordando com a explicação, ela prega-lhe um brutal estaladão na cara! E remata: «Isto foi por teres olhado de maneira feia para um sítio bonito.»
Entretanto, esta moda chegou a Lisboa (pela mesma razão ou não...) e sempre que Johnny Fire passa por uma senhora a usar a carteira deste modo não consegue evitar rir-se para dentro recordando este delicioso episódio nem deixar de recordar essa agridoce inglesa que teria feito furor entre os meios betos lusitanos se cá tivesse chegado a vir antes de casar e constituir numerosa família no countryside.
domingo, 18 de julho de 2021
ELOGIO DAS BETAS
Os leitores já certamente perceberam que Johnny Fire é difícil de encaixar naquelas categorias que sociólogos e outros intelectuais da treta adoram. «Ou seja», como se diz agora, é, como também se diz agora, «fora da caixa». Assim sendo, além de outros espaços, diametralmente opostos em arquitectura e ambiente, frequentava habitualmente com o seu grupo beto a mais beta e indescritível boîte (agora diz-se «discoteca», mas é um erro, pois esta é uma loja que vende discos) lisboeta da época. A decoração era de tal forma irreal e foleira que o sítio logo foi alcunhado com o nome duma igualmente pirosa mas famosa sapataria da época. Diga-se em boa verdade, e para que não haja confusões, que, apesar de tudo o que atrás fica escrito, este local nocturno era frequentado pelas meninas e pelos meninos das melhores famílias, sendo que os restantes não conseguiam lá entrar, nem que tentassem pagar mundos e fundos à porta. Enfim, outros tempos. Bons e saudosos.
Estando certa noite nesse sítio com uma amiga betíssima, mas muito destravada, e estando a música um horror, propôs-lhe levá-la a um lugar de vanguarda (alternativo, dir-se-ia hoje). Ficava quase escondido, embora num tradicional bairro de Lisboa. Lá chegados, Johnny vê de imediato a porta ser-lhe aberta pelo porteiro e conduz a sua amiga, espantada mas não assustada pela fauna que se cruzava com eles pelo caminho, por uma estreita e comprida escada que conduzia a uma cave ocupada quase integralmente por um grande pista de dança. Aí, a música era excelente. A grande sala minimalista era convidativa, combinando um design moderno com algumas peças rétro. Em conclusão, aqui transparecia um bom-gosto que chocava com o mau-gosto donde tinham vindo. Avistavam-se personagens bizarras, mesmo para os padrões de hoje em dia, e viam-se algumas das mais belas jovens mulheres da Lisboa desses tempos (as quais, aliás, fascinariam, e algumas delas fascinavam de facto, igualmente em Paris ou Nova Iorque). Perante a surpresa da sua super-beta amiga, algumas delas falaram a Johnny. Ele trocava com essas dois beijinhos (coisa que ela achou de mau-gosto, claro), tendo ele que se jusificar dizendo que eram os dois beijinhos da vanguarda...
Foram ao balcão do bar, abasteceram-se de bebidas, lançaram-se na pista de dança, voltaram ao bar, e de novo se atiraram energicamente para o meio da pista, e assim sucessivamente. Pouca gente sabe, mas, as chamadas betas sempre beberam e dançaram mais e melhor do que as ditas alternativas, além de outras matérias em que também as superam, as quais me abstenho de aqui revelar. Subitamente, a companheira de Johnny nesta aventura confidenciou-lhe que não se sentia bem ali assim vestida, pois estava de vestido de tafetá, como era da praxe à época no nosso meio (detesto esta expressão, mas ajuda a enquadrar as pessoas; uma questão de classe, entenda-se). Johnny sussurrou-lhe que estava óptima assim, embora na verdade sempre tivesse achado que era muito mais sexy e elegante a forma de vestir das outras, as prafrentex.
Num impulso, a sua amiga dirige-se na direcção de uma conhecida de Johnny, que ela não conhecia de parte alguma mas que tinha um corpo parecido com o seu em estatura e medidas; uma boa figura, portanto. Fire fica de boca aberta quando repara que ambas entram juntas na casa-de-banho depois de uma breve troca de palavras entre elas. Após breves minutos, que lhe pareceram uma eternidade, pois estava on fire pela ansiedade que o momento lhe estava a provocar, é surpreendido pela aparição da amiga e da conhecida (que na verdade era uma conhecida modelo, coisa que a amiga não fazia a mínima ideia) com as roupas trocadas. A beta mais betinha da sua zona tinha tido a ousadia de fazer à outra esta louca proposta e a outra aceitou-a. Assim, dançaram e beberam e fumaram (bons tempos em que se fumava dentro dos sítios) até ao fim da noite, ao som da então melhor música da cidade. A modelo despediu-se de Johnny e da amiga com um beijo na boca de cada um e de seguida desapareceu, de tafetá e tudo!, no meio da exótica fauna de estilistas e modelos e músicos e afins. Johnny não resistiu e disse à amiga: «vê?, afinal esta gente também dá um beijinho, se calhar ainda é sua prima...!» A resposta foi uma sonora gargalhada, pois o humor é dos tais requisitos em que as betas batem as outras.
Depois, levou-a a tomar o pequeno-almoço num sítio clandestino, antes de depositá-la, metida no avant-garde vestido preto da melhor estilista portuguesa (que lhe assentava como uma luva, diga-se de passagem, mas o qual ela nunca mais usou, nem devolveu), na histórica casa de família de seus pais, que curiosamente era pertíssimo do cenário principal desta história real que tem uma moral mas não vou dizer qual é.
sexta-feira, 9 de julho de 2021
PARA A COMPREENSÃO DE JOHNNY FIRE E SUAS ANDANÇAS
Johnny Fire é um pouco (eufemismo parvo que se usa agora) como o Autor destas linhas. Gosta de jardins, ou talvez ainda mais e muito principalmente de árvores, de livros, pois ler constitui para si um enorme prazer, e de mulheres. Aqui, ponto final e inicial, na medida em que as chamadas Aventuras de Johnny Fire, sub-intituladas Memórias e outras histórias, revelarão amiúde, ora subliminarmente ora explicitamente, a superior importância desta última componente, da atrás referida e destacada trilogia lírica (por oposição à sua igualmente pessoalíssima trilogia épica, que fica para outro dia), nas andanças (qual Johnny Walker) do fio-condutor destas narrativas curtíssimas; mas, algumas, de longo alcance, não fossem misteriosas mulheres as personagens centrais de quase todas...
Coisa curiosa a assinalar reside no facto de Johnny Fire nunca procurar mas antes encontrar ou melhor ainda ser encontrado por jardins, livros e mulheres. Digo isto sem qualquer esoterismo de pacotilha, muito menos leviano pretensiosismo, mas com a certeza de assim sempre ter sido com o nosso conhecido personagem. Acontece, claro, que, depois de estabelecer contacto empático com os seus eleitos de entre estes três elementos, surge uma cumplicidade secreta entre ele e esses preferidos lugares, escritos e pessoas. Muitas histórias deste blogue são e serão pois relatos de felizes encontros e consequentes convergências físicas e espirituais mas também de tristes desencontros e frios afastamentos. É a vida tal e qual ela é.
sexta-feira, 25 de junho de 2021
LOCALIZAÇÃO ESPÁCIO-TEMPORAL DAS AVENTURAS DE JOHNNY FIRE
Não arriscando a foleirada de lançar para o ar números que correspondam pretensamente a percentagens, poderei apenas afirmar que a larga maioria das histórias de Johnny Fire que aqui serão reveladas em primeira mão se passaram no Ocidente ente 1980 e 1989. Portanto, lê-las é tomar contacto com uma civilização que já desapareceu e com uma época que já não volta. Hélas!
sábado, 19 de junho de 2021
ONDE A TERRA ACABA E O MAR COMEÇA
Noite cerrada. Huis clos. Casa rústica numa pequena península outrora ilha. Estava Johnny Fire com um grupo de amigos a passar o fim-de-semana (devia ser fim-de-semana ou, pelo menos, o espírito era esse). O místico lugar encontrava-se nessa madrugada debaixo de uma tempestade brutal: chuva torrencial, vento violento e marés vivas a fustigarem as ribas. Apesar de tudo, refugiados no simples e pitoresco interior, que teria sido em tempos uma modesta cabana de pescadores, os rapazes jogavam xadrez (o jogo preferido de Johnny) ou king, enquanto as raparigas tagarelavam, de forma exagerada, talvez para exorcisarem o permanente sobressalto causado pelos flashs dos relâmpagos e pelo ribombar dos trovões.
Subitamente, ouvem-se três pancadas fortes na grossa porta de madeira. O silêncio foi glaciar. Até Morrissey (fase Smiths) se calou, na aparelhagem portátil. Refeitos do susto, ganhando coragem em conjunto, decidiram abrir. Depararam-se com um bando de criaturas ensopadas em água, despenteadas pelo vendaval, sujas de areia, que pediam ajuda. Logo Johnny e os companheiros perceberam que os outros não procuravam refúgio na exígua casa mas sim que fossem ajudá-los a desatolar um jeep ali perto. Assim fizeram. A operação foi concluída com sucesso. Depois disso, nunca mais se viram. Mas havia qualquer coisa de estranhamente peculiar e ao mesmo tempo familiar naquele outro grupo. Volta e meia aqueles rostos ainda aparecem nos sonhos de Johnny.
quinta-feira, 10 de junho de 2021
DE ÉPICO A LÍRICO
Era Lisboa, às portas do solstício de Verão do ano de 1985, e fazia um calor abrasador. Johnny Fire, mal dormido e pior almoçado, encaminhou-se, por sentido de obrigação, para uma das duas únicas manifestações anuais que, desde tenra adolescência, não falhava. Verdade seja dita que, desta vez, contrariamente ao habitual, ia sozinho (ou seja, não levava o seu núcleo monárquico), mas, para compensar a falta dos seus politicamente mais próximos, tinha a agradável companhia de uma bonita e famosa menina queque de longos cabelos louros, a qual fez questão de o acompanhar. Lá chegados, viu os habitués da praxe. Pequenos grupos, de meia-dúzia de indivíduos cada, que mal falam, ou falam mal, uns com os outros. Johnny, pelo contrário, falou, acenando ao longe, ou aproximando-se para os saudar, a pelo menos um membro de cada grupúsculo. Subitamente, enquanto ainda estavam a chegar pessoas ao largo que leva o nome do histórico vate lusitano que celebravam nesse dia, a amiga disse estar a sentir-se mal, com uma quebra de tensão ou coisa que o valha. Gentleman que sempre foi, Johnny apanhou um táxi mesmo ali ao lado e levou-a a casa, onde passaram um simpático resto de tarde refrescando-se a beber limonada e rindo em amena cavaqueira.
O seu lado épico tinha sucumbido ao seu lado lírico. E, de lá para cá, este passou a ser, quase sempre, o seu lado dominante.
sábado, 5 de junho de 2021
JOHNNY MAR
Belos dias aqueles em que Johnny Fire apanhava boleia na vasta praça com nome da terra vizinha e rumava, conduzido por um desconhecido, ao maior areal ininterrupto da Europa. Habitualmente tinha uma companheira certa para o efeito, a qual era responsável pela paragem do carro, em geral guiado por um solitário que se dirigia para o mesmo destino. Claro que entre estes condutores (onde se contavam por vezes mulheres) conheceu personagens incríveis, mas essas são outras histórias e virei cá contá-las noutro dia.
Entretanto, pensar que isto era feito com inteira segurança (de pessoas e bens), nos anos 80 do século passado, é surreal, pois parece mentira mas é verdade. Lisboa ainda era uma cidade onde toda a gente tinha alguém ou algo em comum com um qualquer desconhecido acabado de conhecer.
E, depois, chegar à praia, dar um mergulho, e ficar com o corpo molhado e salgado a secar ao sol, deitado, com ou sem toalha, na areia quente, sentindo, quase colado ao seu, o belo corpo da sua atlética amiga, revelava-se o supremo remate da sensual e pura aventura. Nestes dias sentia-se Johnny Mar.
terça-feira, 1 de junho de 2021
JOHNNY GUITAR
Referências cinéfilas à parte, ou talvez não, um antigo comparsa de múltiplas aventuras (do boxe num duro clube de bairro popular às festas mais exclusivas da melhor sociedade) chamava-lhe Johnny Guitar. Conhecido esse que curiosamente comprava todos os bons discos mas, por falta de tempo, não ouvia nenhum. O epíteto Guitar, qual apelido, não fez escola no famoso núcleo duro, que gravitava à volta desse amigo mais velho, do qual Johnny Fire era o mais novo. Contudo, em muitas aventuras deste, sente-se subliminarmente esse outro, tão diferente quão semelhante, sobrenome. Portanto, julgo ser chegado o momento dos leitores deste folhetim o saberem, para melhor mergulharem no espírito do tempo (sempre os mui queridos idos anos 80) e na alma do nosso personagem.
sábado, 29 de maio de 2021
UNDERGROUND
Na última década do século passado havia um lugar separado do Tejo por um belo e antigo jardim onde iam desaguar os boémios e os noctívagos profissionais antes do raiar da aurora.
Certa vez estava Johnny Fire de pé entre o bar e a pista assistindo à habitual actuação do conjunto residente às sextas-feiras naquele reactivado café-concerto dum velho cine-teatro, grupo que tinha um estilo meio cabaret meio «pimba» (esta expressão ainda não tinha sido cunhada) que caía que nem ginjas naquele decadente ambiente. Johnny, por feitio de observador inveterado e por hábito de homem da noite, varria com o olhar as mesas e a pista, pensando quão perfeita era aquela banda sonora para todas aquelas personagens que pareciam vindas do além, ou, pelo menos, saídas de variados exploitation movies.
Sente um toque no ombro esquerdo, vira-se, e depara-se com uma velha conhecida das longas e loucas noites dessa Lisboa doutras eras. Parecia ter acabado de acordar ou em alternativa ter saído do plateau dum film-noir onde teria feito o papel da escultural e sedutora femme-fatale. Trocavam algumas palavras sobre a actuação do icónico e alcoólico vocalista, que ambos conheciam, quando Johnny sente roçar-lhe algo à altura do joelho. Afasta-se e é boquiaberto que vê irromper pela pista dentro em direcção ao palco um atlético homem sem pernas que avançava à força de braços sobre um tosco carrinho! Sem ninguém perceber bem como, subiu ao palanque, tirou o microfone ao leader e começou ele a cantar, com uma voz potente, algo entre o fado e o flamenco, pleno de trinados de sabor cigano. Perante isto, o cantor do grupo, rapaz duro que já tinha visto muito mas ainda não tudo, virou as costas e foi fazer xixi contra o biombo que servia de fundo ao cenário.
Johnny e a conhecida entreolharam-se, naquela cumplicidade de quem assiste a algo inacreditável e na certeza de que um dia mais tarde só terão a palavra um do outro para confirmar o bizarro episódio, e o nosso protagonista, neste caso pouco mais do que voyeur, saiu, de repente, regressando a casa com a sensação de missão cumprida: naquele momento tinha descido ao mais baixo do bas-fond da cidade.
quinta-feira, 27 de maio de 2021
A VAMP
Johnny Fire entrou no prédio Arte Nova e subiu ao último andar, guiado pela sua recente amiga. Na verdade era como se esta fosse conhecida de sempre, tais eram as afinidades imediatamente descobertas nesta sua primeira saída. Decorria o histórico ano de 1987 em Lisboa. Tinham acabado de assistir ao hoje mítico concerto de Anamar no Coliseu e de seguida ainda tinham ido dançar ao Frágil. Entraram no apartamento quase deserto. Tábuas corridas, de sólido carvalho, bem enceradas, rangiam levemente sob os passos da animada dupla, que ensaiava uns passos de dança ainda com a última música da noite ressoando na cabeça. Das janelas viradas a nascente avistava-se um jardim intimista semi-privado e da bow-window a norte um emblemático jardim público da cidade. Vistas as vistas, exteriores e interiores, Johnny constatou que a casa estava quase totalmente deserta, num despojado estilo minimalista, só pontuada aqui por uma ou outra boa peça de design e ali por alguma belíssima antiguidade, onde a primeira imagem que aparecia ao entrar-se era um poster da exposição de pintura que decorria à época na Gulbenkian. Todas as portas e janelas estavam abertas e as divisões desenrolavam-se umas após as outras iluminadas pela luz prateada da Lua e ainda mornas do soalheiro dia de estio. Contudo, a meio do longo corredor principal, surgiu uma porta fechada. Inquirindo sobre o que ali havia, Johnny foi convidado a entreabrir a porta e a espreitar. Para seu espanto, avistou no chão um prato com leite e descobriu, não sem algum sobressalto, um pequeno vulto negro que voava. Era um morcego, de estimação...! Fechou a porta, olhou para ela, que sorria com o ar de uma menina marota que tinha pregado uma partida, e viu nela, com a sua elegante silhueta recortada por um sóbrio vestido preto dum famoso estilista japonês, uma estranha e fascinante parecença com aquele mamífero voador, qual vamp...!
segunda-feira, 24 de maio de 2021
CENAS DA VIDA LISBOETA
Em finais da primeira década deste século, estava Johnny Fire tranquilo numa esplanada lisboeta, no seu remanso pós-prandial, tomando café e fumando uma cigarrilha, e lendo o seu digestivo livrinho do Miguel Esteves Cardoso, quando presenciou uma genial tirada de um jovem rapaz. Numa mesa próxima, mãe e filha. A primeira, com uma jovialidade requintada de bonita mulher madura; a segunda, jovem rapariga em flor, de uma frescura eufórica. Esta última, a filha, agitava-se na cadeira, mexia no cabelo, e lançava olhares — tão insinuantes, quão irritantes — a dois rapazes, da mesma idade, que se encontravam numa mesa mais além. Um deles, olhou-a nos olhos, e disparou em voz alta, mas em tom educado: «— Ó convencida!... A tua mãe é mais gira do que tu...!». Johnny conteve-se, para não lançar uma sonora risada. Limitou-se a trocar um respeitoso sorriso com a mãe. É bom saber que ainda há humor inteligente em Portugal.
BOY MEETS GIRL
Johnny Fire estava numa boîte algarvia, em pleno Verão, nos idos anos 80 do século passado. Dançava na pista quando reparou numa beldade sentada nas margens da mesma. Após se mirarem e remirarem, discretamente e à descarada, Johnny avançou na sua direcção e dirigiu-lhe a palavra na língua franca dessas paragens - o inglês. Mostrou-se espantada e retorquiu na mesma língua: «Pensei que eras francês». «Porquê?», contrapôs. «Porque danças como se fosses de Paris», rematou. Apercebendo-se do sotaque da doce mas atrevida personagem feminina, que denunciava a sua origem geográfica, Johnny, para a impressionar, riposta em francês: «Sou português, de Lisboa, e também falo um pouco de francês, mas não vivo em Paris...». «Ah, bom!», disse a bela francesa, sorrindo. «Já agora, porque pensaste que eu era de Paris?» (o tratamento foi por vous, mas decidi traduzir aqui desta forma). «Porque os parisienses dançam sempre da mesma maneira, sem sair do sítio, como se não tivessem espaço, onde quer que estejam, pois as discotecas parisienses estão a abarrotar de gente, e eles ficaram assim...».
Nesse mesmo princípio de Outono, após uma troca de dois ou três postais, Johnny meteu-se no Sud-Express; e, depois de se apear e de se aventurar à boleia e a pé por velhas estradas rurais, conseguiu finalmente chegar a bom porto e bater-lhe à porta. Era um antigo chateau, nos arredores de uma aldeia medieval. Para assinalar a sua chegada, a simpática francesa tinha reunido um pequeno grupo de amigos das quintas das redondezas. Depois de peripécias várias, das quais se destaca um excêntrico e opíparo jantar numa távola redonda na torre, passaram os doze a uma monumental sala no corpo principal da casa, onde curiosamente acabaram todos a dançar apertados slows, como se estivessem em Paris e não tivessem espaço...! E, claro, Johnny, já sozinho com a anfitriã no pavilhão de caça, não resistiu a - devolvendo-lhe o remoque da primeira conversa - sussurrar-lhe ao ouvido a constatação desse delicioso paradoxo. A sua gargalhada fez brilhar os olhos dos veados embalsamados.