Johnny Fire, com 18 anos bem feitos e aparados, embarcou numa viagem aérea de longo-curso rumo a Nova Iorque. Curiosamente, nesse mesmo ano e mês, decorriam os Jogos Olímpicos, na outra costa desse país-império, onde um português viria a vencer a histórica prova da maratona. Devido à distância e à consequente diferença de fusos horários, acompanhou a odisseia lusa pela televisão, quase como se estivesse em Lisboa, com a simpática diferença de que no dia seguinte foi efusivamente saudado pessoalmente, no restrito círculo americano a que teve acesso via sua melhor amiga da época e em que foi muitíssimo bem recebido em Nova Iorque, pelo feito que o seu compatriota alcançara em Los Angeles.
Mantendo-nos no registo áudio-visual, mas no primeiro e pai espiritual e estético de todos os outros, vamos falar de cinema. Nesse distante ano de 1984, estrearam várias «americanadas», saídas dos estúdios de Hollywood, propositadamente produzidas para serem blockbusters. Não sendo essa a sua onda (o cinema francês em particular e o europeu em geral era já o que mais o seduzia na Sétima Arte), não resistiu ao frisson de poder ver essas fitas recém-estreadas nas espectaculares salas de Manhattan, na terra de Woody Allen (à época um dos seus realizadores de eleição, e portanto uma excepção ao que atrás fica revelado sobre os gostos cinéfilos do então adolescente protagonista destas aventuras).
Continuando, Johnny, na sua primeira ida a uma sala de cinema nos States, foi, com a sua já atrás referida amiga e anfitriã nesta maravilhosa estada na magnífica maçã Art Déco que nunca dorme, assistir, numa moderna e luxuosa sala, à projecção do filme da moda, acabadinho de vir a lume na pantalha. A páginas tantas, a sua igualmente teenager amiga (portuguesíssima de sangue mas luso-americana de coração) tira dois cigarros dum maço duma icónica marca de tabaco americana (a qual tinha sempre um belos spots publicitários baseados nos westerns, género fílmico considerado a mais identitária forma de Arte americana por Clint Eastwood) e leva-os à boca. Pensou Johnny aqui que ela estava a brincar, pois de facto era uma miúda divertidíssima, num estilo controladamente irreverente, como convém, aliás. Mas, para sua surpresa, ela pega num isqueiro, também ele americano e icónico, e acende simultaneamente os dois cigarros na sua bonita boca. De seguida, passa um para o espantado e já quase assustado Fire e lança a primeira baforada para o ar. Johnny Fire ia dizer qualquer coisa como: «És louca, não faças isso, ainda nos prendem!». Contudo, ficou hipnotizado pelo fumo que a sua amiga lançou no ar e que subia na sala escura mas se antevia em contra-luz pela acção da própria luminosidade da tela, por um lado; e, por outro, recortado pela luz do projector de cinema. Assim, automaticamente, fez o mesmo movimento: inspirou o mais que pôde e, de seguida, expeliu uma longa baforada, a qual bailou pela sala toda...
«Estamos em Nova Iorque e aqui pode-se fumar nas salas de cinema!», rematou a amiga luso-americana, com ar teatralmente professoral. Johnny finalmente olhou em volta; e, de facto, vários espectadores também fumavam. Aconchegou-se melhor na confortável e espaçosa cadeira (provavelmente a melhor do género em que esteve sentado até hoje, e esteve em centenas de boas salas de cinema), olhou de lado para a sua amiga, e, sentiu-se num film-noir, sendo ele Bogart e ela Bacall.
Escusado será acrescentar que esta deliciosa e inocente história de adolescentes, que só se queriam divertir e tirar partido da sua natural alegria de viver, seria hoje proibida pela insana ditadura higiénico-sanitária que vigora no doente Ocidente.