quinta-feira, 27 de maio de 2021

A VAMP

Johnny Fire entrou no prédio Arte Nova e subiu ao último andar, guiado pela sua recente amiga. Na verdade era como se esta fosse conhecida de sempre, tais eram as afinidades imediatamente descobertas nesta sua primeira saída. Decorria o histórico ano de 1987 em Lisboa. Tinham acabado de assistir ao hoje mítico concerto de Anamar no Coliseu e de seguida ainda tinham ido dançar ao Frágil. Entraram no apartamento quase deserto. Tábuas corridas, de sólido carvalho, bem enceradas, rangiam levemente sob os passos da animada dupla, que ensaiava uns passos de dança ainda com a última música da noite ressoando na cabeça. Das janelas viradas a nascente avistava-se um jardim intimista semi-privado e da bow-window a norte um emblemático jardim público da cidade. Vistas as vistas, exteriores e interiores, Johnny constatou que a casa estava quase totalmente deserta, num despojado estilo minimalista, só pontuada aqui por uma ou outra boa peça de design e ali por alguma belíssima antiguidade, onde a primeira imagem que aparecia ao entrar-se era um poster da exposição de pintura que decorria à época na Gulbenkian.  Todas as portas e janelas estavam abertas e as divisões desenrolavam-se umas após as outras iluminadas pela luz prateada da Lua e ainda mornas do soalheiro dia de estio. Contudo, a meio do longo corredor principal, surgiu uma porta fechada. Inquirindo sobre o que ali havia, Johnny foi convidado a entreabrir a porta e a espreitar. Para seu espanto, avistou no chão um prato com leite e descobriu, não sem algum sobressalto, um pequeno vulto negro que voava. Era um morcego, de estimação...! Fechou a porta, olhou para ela, que sorria com o ar de uma menina marota que tinha pregado uma partida, e viu nela, com a sua elegante silhueta recortada por um sóbrio vestido preto dum famoso estilista japonês, uma estranha e fascinante parecença com aquele mamífero voador, qual vamp...!