quinta-feira, 10 de junho de 2021

DE ÉPICO A LÍRICO

Era Lisboa, às portas do solstício de Verão do ano de 1985, e fazia um calor abrasador. Johnny Fire, mal dormido e pior almoçado, encaminhou-se, por sentido de obrigação, para uma das duas únicas manifestações anuais que, desde tenra adolescência, não falhava. Verdade seja dita que, desta vez, contrariamente ao habitual, ia sozinho (ou seja, não levava o seu núcleo monárquico), mas, para compensar a falta dos seus politicamente mais próximos, tinha a agradável companhia de uma bonita e famosa menina queque de longos cabelos louros, a qual fez questão de o acompanhar. Lá chegados, viu os habitués da praxe. Pequenos grupos, de meia-dúzia de indivíduos cada, que mal falam, ou falam mal, uns com os outros. Johnny, pelo contrário, falou, acenando ao longe, ou aproximando-se para os saudar, a pelo menos um membro de cada grupúsculo. Subitamente, enquanto ainda estavam a chegar pessoas ao largo que leva o nome do histórico vate lusitano que celebravam nesse dia, a amiga disse estar a sentir-se mal, com uma quebra de tensão ou coisa que o valha. Gentleman que sempre foi, Johnny apanhou um táxi mesmo ali ao lado e levou-a a casa, onde passaram um simpático resto de tarde refrescando-se a beber limonada e rindo em amena cavaqueira.
O seu lado épico tinha sucumbido ao seu lado lírico. E, de lá para cá, este passou a ser, quase sempre, o seu lado dominante.