segunda-feira, 24 de maio de 2021

BOY MEETS GIRL

Johnny Fire estava numa boîte algarvia, em pleno Verão, nos idos anos 80 do século passado. Dançava na pista quando reparou numa beldade sentada nas margens da mesma. Após se mirarem e remirarem, discretamente e à descarada, Johnny avançou na sua direcção e dirigiu-lhe a palavra na língua franca dessas paragens - o inglês. Mostrou-se espantada e retorquiu na mesma língua: «Pensei que eras francês». «Porquê?», contrapôs. «Porque danças como se fosses de Paris», rematou. Apercebendo-se do sotaque da doce mas atrevida personagem feminina, que denunciava a sua origem geográfica, Johnny, para a impressionar, riposta em francês: «Sou português, de Lisboa, e também falo um pouco de francês, mas não vivo em Paris...». «Ah, bom!», disse a bela francesa, sorrindo. «Já agora, porque pensaste que eu era de Paris?» (o tratamento foi por vous, mas decidi traduzir aqui desta forma). «Porque os parisienses dançam sempre da mesma maneira, sem sair do sítio, como se não tivessem espaço, onde quer que estejam, pois as discotecas parisienses estão a abarrotar de gente, e eles ficaram assim...».
Nesse mesmo princípio de Outono, após uma troca de dois ou três postais, Johnny meteu-se no Sud-Express; e, depois de se apear e de se aventurar à boleia e a pé por velhas estradas rurais, conseguiu finalmente chegar a bom porto e bater-lhe à porta.  Era um antigo chateau, nos arredores de uma aldeia medieval. Para assinalar a sua chegada, a simpática francesa tinha reunido um pequeno grupo de amigos das quintas das redondezas. Depois de peripécias várias, das quais se destaca um excêntrico e opíparo jantar numa távola redonda na torre, passaram os doze a uma monumental sala no corpo principal da casa, onde curiosamente acabaram todos a dançar apertados slows, como se estivessem em Paris e não tivessem espaço...! E, claro, Johnny, já sozinho com a anfitriã no pavilhão de caça, não resistiu a - devolvendo-lhe o remoque da primeira conversa - sussurrar-lhe ao ouvido a constatação desse delicioso paradoxo. A sua gargalhada fez brilhar os olhos dos veados embalsamados.